quinta-feira, 15 de setembro de 2016

#23 - CINZEIRO, Jorge Barbosa

À noute quando escrevo
Tenho fantasias
Que não chego a escrever
Nem conto a ninguém.

Esta, por exemplo,
De ver um paquete
No meu cinzeiro
De feitio oblongo!

Ponho nele, de pé,
As pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...

Os fósforos
São carregamento
E a cinza
São as cinzas das fornalhas...

Deito nele
Pedacinhos de papel que eu rasgo,
-- Restos de algum poema...
São cartas para longe.

Voam à roda do meu cinzeiro
Pequeninos insectos tropicais,
Companheiros nocturnos
Dos poetas da minha terra.

São os pássaros marinhos,
As gaivotas,
Que vêm espreitar
De perto o paquete.

Empurro-o com a mão
E o paquete lá vai,
Com o rumo traçado
Através do Atlântico.

Lá vai!
Os passageiros da primeira
Passeiam no «deck»
Ou jogam o «bridge».

E a rapariga loura
Estira-se indolente
Na cadeira de lona
A ler um romance...

No convés da terceira classe,
Um emigrante qualquer
Debruçou-se na borda
Olhando o horizonte...
Sou eu.

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