segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

#18 - "O céu, a terra, o vento sossegado..."; Luís de Camões

O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio que, deitado
Onde co o vento a água se meneia.
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:

-- Ondas, dizia, antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe ao vento a voz, que ao vento deita.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

#17 - OCEÂNIAS, Branquinho da Fonseca

Ondas do mar me deitaram
sobre o calor das areias
que ao meu corpo se moldaram
pra aquecer as minhas veias.

E aquele corpo de escrava
dando-me força a vencia
pelo gozo que me dava
para o gozo que sofria.

A noite vinha a descer
e subia a maré-cheia...
Eu já tinha o meu poder:
fugi à praia, deixei-a.

Foi assim que regressei
das conquistas do mar bravo,
e ergui palácios de rei
sobre refúgios de escravo.

domingo, 30 de novembro de 2014

#16 - MAR INCERTO, António de Sousa

Que triste o som acorda à minha voz!
Como é pálida a luz do meu espelho
E a desse rio azul que não tem foz:
O tempo, em que me vou fazendo velho...

Dias loucos da infância, onde estais vós?
E a alegria -- esse cântico vermelho
Do sangue virgem que não tem avós?
Como se chama a sombra em que ajoelho?

Arfa, cansado, no meu peito um mar:
O mar remoto da remota Ilha
Onde as sereias cantam ao luar...

À esteira dos navios, as gaivotas
Gritam no céu, e o céu, lânguido, brilha
Sem ecos de vitórias ou derrotas.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

#15 CANÇÃO, Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
-- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as veias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

#14 - ILHA, Daniel Filipe

No azul líquido é somente
um ponto anónimo da carta.
Ó minha fala inconsequente!
Saudade morna do ausente,
distante ainda que não parta!

O horizonte é linha de água
por estrelas-peixe enodoada.
Se me recorto em bruma e mágoa,
à solidão da ilha trago-a
dentro de mim petrificada.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

#13 - BRISE MARINE, Stéphane Mallarmé

La chair est triste, hélas! et j'ai lu tous les livres.
Fuir! là-bas fuir! Je sens que des oiseaux sont ivres
D'etre parmi l'écume inconnue et les cieux!
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeaux
Ne retiendra ce coeur qui dans la mer se trempe
O nuits! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai! Steamer balançant ta mâture,
Lèvre l'ancre pour une exotique nature!
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l'adieu suprême des mouchoirs!
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages
Sont-ils de ceux qu'un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

#12 - (FALA DO MAR), António Correia de Oliveira

-- Arte de Amar, eu fui antigamente
E sou, seu Mestre antigo e venerável.

No princípio do mundo, tempo incerto,
E quando a terra apenas aflorava
Num ar entorpecido, torvo e inútil,
Pois não surgira ainda vida viva
Que o respirasse em folha de verdura
Ou ave acasalada ou fera uivante;

No princípio do mundo (na incerteza,
no Tudo e Nada do começo) arfando
Em meus ondados, espraiados ritmos,
Eu fui o que ensinei primeiramente
A Terra inconsciente, agreste e rude,
Artes de Amor divino;  quer erguido
Em aluado espasmo; quer beijando
Morna nudez de fragas; quer cingindo,
Com meus longos abraços de volúpia,
Indecisos contornos de montanhas,
Puberdade de curvas amorosas.

E depois que ensinei minha arte antiga
É que a Terra foi Mãe e foi mais bela:

As duras fragas conceberam fontes.

As fontes conceberam as verduras.

As aves construíram os seus ninhos.

E as feras monstruosas, ternamente,
Caros filhos do Amor amamentaram...

terça-feira, 14 de outubro de 2014

#11 - MARINHA, Fernando Pessoa

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...
Eu sofro sem pena a vida.

Doo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...

E sobe até mim, já farto
De improfíquas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

#9 - LIBERDADE, Sophia de Mello Breyner Andresen

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

#8 - INCÊNDIO, Cândido Guerreiro

Daqui, desta falésia cor de lava,
Dum amarelo rútilo e sangrento,
Outrora debruçava-se um convento
Sobre a maré tumultuosa e brava...

E, à noite, quando no clamor do vento,
Ao largo, o temporal se anunciava,
E a voz das águas, soluçante e cava,
Punha um trovão nas furnas, agoirento,

Logo, piedosamente, cada monge
Suspendia uma lâmpada à janela,
E tangia a sineta para o coro...

E, no mar alto, o navegante, ao longe,
Via um farol luzir em cada cela,
E cada rocha a arder, em sangue e ouro...

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

#7 - HERANÇA, Aguinaldo Fonseca

O meu avô escravo
legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.

As ilhas
por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.

Agora
aqui vivo eu
e aqui hei-de morrer.

Meus sonhos
de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.

Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.

Como tu
também tenho a esmola do luar
e por amante
essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

#6 - DA COSTA DE CASCAIS, Fiama Hasse Pais Brandão

Aqui, na orla do mar, as cruzes
são sinais de pescadores perdidos
no fundo, mortos, quando buscam
o sal da vida. Em vez de a sua força
fazer ceder a vaga sob o anzol,
é a força do mar ou a paixão da vida
-- arquejante e morta --
que os puxa para um purgatório
de água revolta e de limos.

ondas do oceano

Katsushika Hokusai

sábado, 21 de junho de 2014

#5 - MAR MORTO, Alberto de Serpa

A JORGE AMADO

A noite caiu sobre o cais, sobre o mar, sobre mim.

As ondas fracas contra o molhe são vozes calmas de afogados.
O luar marca uma estrada clara e macia nas águas,
Mas os barcos que saem podem procurar mais a noite,
E com as suas luzes vão pôr mais estrelas além.
O vento foi para outros cais levar o medo,
E as mulheres que vêm dizer adeus e cantar
Hoje sabem canções com mais esperança,
Canções mais fortes que a ressaca,
Canções sem pausas onde passe uma sombra da morte.
Velhos marítimos, para quem a terra é já a sua terra,
Olham o mar mais distante e têm maior saudade.
Pára o rumor duns remos.
Não vão mais às estrelas as canções com noite, amor e morte...

Penso em todos os que foram e andam no mar,
Em todos os que ficam e andam no mar também,
E a luz do farol, lá longe, diz talvez...

sexta-feira, 13 de junho de 2014

#4 - LUSITÂNIA, Sophia de Mello Breyner Andresen

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

#3 - "Carcavelos.", José Gomes Ferreira


(Nesse verão estivemos todos juntos na praia:
o Manuel Mendes e a Bá, o Chico e a Maria Keil,
o José Bacelar e a Maria Luísa, o José Rocha e a
Selma. E eu mergulhava no mar aos Vivas à República!)

Carcavelos.

«Aqui nesta praia amarela...»
tanto esperei em vão pelo princípio do mundo
com os pés a doerem-me
nas conchas de sangue nu dos tapetes...

Depois despia-me
e desafiava o mar
para sentir na pele
aquele frio antigo tão doce de alfinetes...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

#2 - SOLIDÃO MARINHA, Sabino de Campos

Eu tombei do convés do transatlântico
Em meio às ondas, como num letargo...
Lá se vai o voador -- peixe romântico --
Passam: toninha, méro, anchôva e pargo.

A rolar, tão sòzinho, pelo Atlântico,
Levado, brutalmente para o largo,
Nem da sereia posso ouvir um cântico
Que iluda e enleve o meu destino amargo.

Jangadinha que, ao longe, a vela enfunas,
Enfeitiçada de alegria intensa,
Como um lenço acenando para as dunas...

Dize a todos de terra a minha crença
De lutar, com essas ondas importunas,
E me abismar na solidão imensa...

Rio, 7-11-1945.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

#1 - ZÉ JEITOSO, Sidónio Muralha

Quando a noite cai, o Zé Jeitoso começa
uma história simples, uma história qualquer,
com palavras de embalar
para que o mar
adormeça,
-- o mar, diverso como um corpo de mulher.

Zé Jeitoso conta -- e os colegas a ouvi-lo,
sentados no chão, deitados no chão,
pensam que para contar aquilo
Zé Jeitoso traz o mar no coração...

Zé Jeitoso fala de longínquos portos,
de perrices fantásticas do mar,
e julga que os companheiros mortos
passeiam no céu, em noites de luar...

Zé Jeitoso fala... E nas palavras de embalar
os companheiros ficam presos...
O mar adormece... E, por cima do mar,
as estrelas parecem cachimbos acesos...