domingo, 30 de novembro de 2014

#16 - MAR INCERTO, António de Sousa

Que triste o som acorda à minha voz!
Como é pálida a luz do meu espelho
E a desse rio azul que não tem foz:
O tempo, em que me vou fazendo velho...

Dias loucos da infância, onde estais vós?
E a alegria -- esse cântico vermelho
Do sangue virgem que não tem avós?
Como se chama a sombra em que ajoelho?

Arfa, cansado, no meu peito um mar:
O mar remoto da remota Ilha
Onde as sereias cantam ao luar...

À esteira dos navios, as gaivotas
Gritam no céu, e o céu, lânguido, brilha
Sem ecos de vitórias ou derrotas.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

#15 CANÇÃO, Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
-- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as veias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

#14 - ILHA, Daniel Filipe

No azul líquido é somente
um ponto anónimo da carta.
Ó minha fala inconsequente!
Saudade morna do ausente,
distante ainda que não parta!

O horizonte é linha de água
por estrelas-peixe enodoada.
Se me recorto em bruma e mágoa,
à solidão da ilha trago-a
dentro de mim petrificada.